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domingo, 22 de maio de 2011

SHIVANANDALAHARI A INUNDAÇÃO DA BEM-AVENTURANÇA DE SHIVA

SHIVANANDALAHARI A INUNDAÇÃO DA BEM-AVENTURANÇA DE SHIVA


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OFERECEMOS NOSSOS LOUVORES A SHIVA (SANKARA: NOSSA PRÓPRIA NATUREZA), FONTE DA REVELÇAO GLORIOSA DA "RODA DAS ENERGIAS" (ENERGIA DA FELICIDADE, VONTADE, CONHECIMENTO E ATIVIDADE); A ELE, QUE ABRINDO E FECHANDO OS OLHOS FAZ SURGIR E DESAPARECER O UNIVERSO. SPANDAKARIKA






DE SRI SHANKARACHARYA







1- Possa eu homenagear os dois Auspiciosos ( Shiva e Parvati ), que constituem a essência de todo saber, que exibem na cabeça a lua crescente como ornamento, que são, um para o outro, o fruto de suas próprias e respectivas austeridades, que conferem benefícios aos devotos, que tornam todos os três mundos abençoados, que aparecem seguidamente no coração, e que produzem a experiência de evidente felicidade.



Neste verso invocatório, é feita uma homenagem a Parvati e Shiva. Na verdade, eles não diferem um do outro, pois são aspectos da mesma Realidade. A forma meio masculina-meio feminina do Senhor tem um significado profundo. Maya não existe aparte de Brahman.



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2- Oh, Sambho! Vitória à Inundação da Bem-Aventurança de Shiva, que procede do rio da Tua história, remove a poeira do pecado, atravessa os canais do intelecto, produz a destruição do sofrimento causado pelas perambulações no samsara, e permanece na região do lago da minha mente!


Shiva, a Realidade Suprema, é Bem-Aventurança. É com essa Felicidade que a mente deve ser ocupada completamente. Como fazer isso? A esplêndida história de Shiva é o rio. Suas águas devem ser trazidas para a mente através dos canais do intelecto. Basta essa água começar a fluir, que a poeira da ignorância vai sendo removida. E o supremo resultado que ela produz é a liberação.




3- Eu adoro Shiva em meu coração, Ele que é cognoscível por meio dos quatro Vedas, que deleita o coração, que destruiu as três Cidades, que é antigo e tem três olhos, cuja aparência é majestosa, possuindo uma profusão de cabelos emaranhados, que usa como ornamentos serpentes que se movem sinuosamente, que leva consigo um antílope, que é o grande Deus, que é bondoso comigo, que é o Senhor das almas e a consciência essencial, que está na companhia da Sua esposa, e que desempenha muito bem os papéis que Lhe são atribuídos no mundo.


Aqui estão apresentadas algumas características de Shiva. Ele é a fonte das escrituras, e portanto, cognoscível por meio delas. Ele é a origem de todas as coisas, sua causa primeira.


Ele é o destruidor das três cidades, feitas de ferro, prata e ouro. De acordo com o Mahabharata, o demônio Taraka foi morto por Kartikeya. Tarakaksa, Kamalaksa e Vidyunmali, filhos do referido demônio, praticaram austeridades e receberam de Brahmá o poder de ocupar três cidades, que se moviam no ar de acordo com o comando deles. Os três demônios se tornaram muito poderosos, e hostilizavam os devas e as pessoas de bem. Finalmente, os devas foram a Shiva e rogaram a Ele que os salvasse. Shiva obteve metade da força de todos os devas, e se

tornou Mahadeva. Com Vishnu servindo de flecha, Agni como a ponta da mesma, Yama como a pena da seta, o Veda como o arco, Savitri como a corda do arco e Brahmá como o condutor do carro de guerra, Shiva destruiu as três cidades. Simbolicamente, essas três cidades significam os três corpos, ou seja, o causal, o sutil e o físico. Pela graça de Shiva, a identificação com os corpos é destruída e a pessoa se libera.


Shiva tem três olhos, sendo o terceiro no meio da testa. Existe uma história que relata como apareceu o terceiro olho. Parvati, de brincadeira, cerrou os dois olhos ‘normais’ do Senhor com as suas mãos. Imediatamente, o mundo inteiro foi coberto pela escuridão. Cheio de compaixão por todo os seres, Shiva criou para Si mesmo o terceiro olho, e desvaneceu as trevas. Uma das simbologias para os três olhos de Shiva é a de que eles são as três luzes do mundo, ou seja, o sol, a lua e o fogo.


Shiva possui profusos cabelos emaranhados – um sinal do ideal ascético. Entre outras coisas, o corpo de Shiva é adornado por serpentes, e Ele sustenta um cervo em uma das mãos. Certa vez, os rishis de Darukavana realizaram um ritual com o objetivo de subjugar Shiva. Entre os objetos que emergiram do sacrifício estavam serpentes e um cervo ( símbolo de Maya ). Mas nenhum deles conseguiu fazer nada contra Shiva. Por isso, ele usa serpentes como ornamentos, e tem um cervo numa das mãos.

Shivanandalahari - parte2



4- Existem milhares de deidades no mundo, que concedem benefícios triviais; nem mesmo em sonho penso em segui-las, ou desejo tais benefícios. Oh Shambho! Oh Shiva! O que peço sempre é ter adoração pelos Teus pés de lótus, o que não advém facilmente, nem mesmo para aqueles que estão perto de Ti, como Vishnu e Brahmá.


Shiva é a Realidade Suprema, cuja Realização deve ser a meta da vida. Qualquer outro objetivo só vai fazer com que a pessoa continue a girar no ciclo de nascimentos e mortes. As deidades podem outorgar sucesso no mundo e até fruição de prazeres nas regiões celestiais. Porém, essas coisas têm pouco valor para quem busca a bem-aventurança definitiva.



5 - Eu não sou instruído nos códigos legais, nem nas filosofias, ou na arte da medicina; tampouco sou perito na ciência das previsões, na poesia ou na música. Não sou versado em gramática, em antigas histórias, ou nas artes de dançar e de fazer rir. Como então poderei agradar os reis? Oh Senhor das almas, onisciente e renomado! Oh Senhor onipermeante! Não obstante a minha rudeza salve-me, pela Tua famosa compaixão!



6- Oh, você, que se considera muito inteligente! Será que esse discurso cheio de ilustrações como a do pote e do barro, a dos átomos, a da fumaça e do fogo, a da montanha, a do pano e da fibra de que ele é feito ( e todos os outros exemplos favoritos das pessoas que se valem da lógica ) vai eliminar a terrível morte? Em vão é, então, todo o esforço da sua garganta nesses acalorados debates! Apresse-se em adorar os pés de lótus de Shambhu, e alcance a felicidade suprema.



Que valor tem a lógica laica? Você pode discutir pelo simples prazer de fazê-lo, e silenciar o seu adversário por meio de uma mostra de poder intelectual. Mas de que maneira isso irá beneficiá-lo? As diversas formas de raciocinar e as teorias da causalidade não vão lhe trazer a iluminação. Aquele que é sábio não perde o seu tempo com disputas vãs, mas busca refúgio nos pés de lótus do Senhor.



SHIVANANDALAHARI, Parte 3




7- Oh, Supremo Shiva! Que a minha mente permaneça a Teus pés de lótus; que a minha boca se ocupe em proferir louvores a Ti; minhas mãos, no Teu culto; meus ouvidos, em escutar histórias sobre Ti; meu intelecto, em meditar sobre Ti; e meus olhos, em olhar para a Tua esplêndida forma! Sendo assim, através de que meios eu poderia aprender outras coisas, não relacionadas à Sua pessoa?




8-Assim como alguém vê a madrepérola como sendo prata, contas de vidro como jóias, água misturada com farinha como leite e uma miragem como água, assim também o tolo, confuso quanto a quem é Deus, adora outro que não Você, desconsiderando o supremo auto-efulgente Senhor em sua própria mente.




9- Oh Senhor de Umá! Como está sendo tola uma pessoa que entra num lago profundo, ou numa floresta desabitada e amedrotadora, ou perambula por grandes altitudes numa montanha, com o objetivo de colher flores (para Lhe oferecer)! Ela não sabe como viver feliz aqui, oferecendo a Você a flor única do lótus do coração!



SHIVANANDALAHARI, 4




10- Que eu nasça ( se for necessário ) como um ser humano ou um habitante das regiões celestiais, como um animal selvagem ou um mosquito, como um pássaro, um invertebrado, ou qualquer outra criatura. O que importa o corpo, se o coração sempre busca o seu prazer nas ondas de suprema felicidade que resultam da constante recordação dos Seus Pés de Lótus?





11- Oh Senhor! Quer a pessoa seja um estudante, um chefe de família, um monge, um asceta ou alguém que não esses, não importa. Oh Senhor das criaturas! Quando o lótus do coração da pessoa se torna Seu, Você também passa a ser dela, e carrega o fardo da sua vida.




12- Que diferença faz se a pessoa vive numa gruta, numa casa, a céu aberto, numa floresta, no alto de uma montanha, na água, ou rodeada pelo fogo? Oh Senhor! Se a mente do indivíduo permanece sempre aos Seus pés, ele é o supremo Yogin, e o mais feliz dentre os homens.



As condições sob as quais a pessoa vive e as austeridades que ela pratica não têm valor intrínseco. O que realmente importa é a sua devoção ao Senhor e o seu Conhecimento. Yoga significa unir a mente; o verdadeiro yoga é a união da mente com Deus. Quando a pessoa se torna centrada no Senhor, ela adquire a suprema alegria.





SHIVANANDALAHARI, 5




13- Oh mais elevado dentre os seres! Condiz com a sua pessoa salvar a mim, eis que entorpecido pela ignorância me espojo no vão mundanismo, muito afastado da minha verdadeira meta. Onde pode haver uma pessoa mais miserável do que eu? E onde encontrar alguém mais capacitado do que você para salvar os infelizes? Oh Pasupati, quem em todos os três mundos poderia ser o meu protetor, a não ser Você?




14- Oh Senhor das criaturas! Você é não somente o Todo-Poderoso, como também o melhor amigo dos aflitos, dos quais eu sou o maior. Não existe então uma grande afinidade entre nós dois? Portanto, oh Concessor do bem, Você deve perdoar todos os meus erros, e trabalhar pela minha salvação, mesmo se for muito difícil. Não é assim que os amigos íntimos agem uns para com os outros?






15- Se não for pela Sua indiferença, por que você não cancela os decretos do meu destino, que conduzem a desejos perniciosos e são tão desfavoráveis à constante contemplação da sua Pessoa? Não diga que não é capaz de fazê-lo; pois Você não arrancou, com a ponta da unha de um dedo e sem qualquer esforço, uma das cabeças de Brahmá, que tão firmemente aderia ao corpo?




Nos Puranas é relatado que Shiva, tendo sido ofendido por Brahmá, abateu o orgulho deste ao decepar com um peteleco uma das suas cinco cabeças. O episódio mostra que mesmo Brahmá, o Criador, que é quem determina os destinos de todos, está sob o controle de Shiva.




SHIVANANDALAHARI, Parte 6




16- Oh Senhor! Que Brahmá, o Criador, viva muito, e que Você proteja as suas quatro outras cabeças. Pode-se perguntar por que desejo longa vida a Brahmá, que me conferiu tantas penúrias neste mundo. É que devido a Ele (meu criador) tenho a oportunidade de ser salvo pelo Seu olhar compassivo, sempre atento para resgatar os aflitos, oh Shiva.





17- Oh, Mestre Onipermeante! Mesmo depois de Você ficar satisfeito comigo, seja por causa das minhas ações meritórias ou em virtude da Sua Graça, ainda assim não consigo ter uma visão dos Seus imaculados pés de lótus. Eles foram ocultados de mim pelas coroas de ouro incrustadas de pedras preciosas pertencentes à multidão de devas que, excitados, se prostram diante de você.





18- Oh Senhor! Só você concede a suprema meta ( a Liberação ) à humanidade. Vishnu e outros deuses, que ocupam posições celestiais devido a Você, O adoram repetidamente. Oh Shiva, a Sua Graça para com os devotos é ilimitada, e ilimitados também são os meus desejos mundanos. Quando Você vai me salvar, através de um olhar cheio de compaixão?


SHIVANANDALAHARI, Parte 7




19- A vida neste mundo é cheia de desejos nocivos; ela envolve subserviência a patrões perversos; é desastrosa no final; é uma fonte de erros, e produz experiências dolorosas. Diga-me, por que, e em benefício de quem, Você não acaba com essa minha aflição? Oh Senhor! Se, porém, ela contribuir para a Sua alegria, eu fico verdadeiramente satisfeito.



20- Oh Senhor, que segura nas mãos um crânio, a Sua tigela para esmolar! Oh mendicante! Minha mente está sempre perambulando pela floresta da ilusão, dançando nos topos das colinas dos seios de jovens mulheres, e se movendo rapidamente em diversas direções sobre os galhos dos desejos mundanos. Oh Auspicioso e Onipermeante! Aceite essa minha mente, extremamente volúvel, semelhante a um macaco, como minha sincera oferenda; atando-a com a corda da devoção, mantenha-a subordinada a Você.




21- Oh Destruidor de Cupido e Governador dos mundos! Oh Shiva, que é servido por atendentes celestiais! Que Você, acompanhado pela Sua Divina Shakti* se digne a entrar, e passe a residir na brilhante tenda da minha mente. Possa ela, que é móvel, que tem a vontade como pilar de sustentação, as Gunas como as fortes cordas que a prendem, as numerosas tendências como suas múltiplas cores e os centros psíquicos como enfeites na forma de desenhos de lótus, ser fixada todos os dias na esplêndida estrada da contemplação do Divino.


*A Mãe do Universo, conhecida pelos nomes de Párvati, Umá, Durgá, Kali, entre outros.


SHIVANANDALAHARI, Parte 8

22-Oh Concessor do bem! Oh Ser Onipresente! Impelida pela ganância e outros impulsos danosos e escravizada pela tendência a acumular riquezas, minha mente é semelhante a um ladrão, que está sempre fazendo esforços para penetrar nas casas dos ricos. Como posso suportá-la, oh Senhor dos ladrões? Tenha a bondade de colocá-la sob o Seu controle e de me conceder a Sua Graça, pois sou inocente!


A mente pode ser comparada a um ladrão, sempre tentando enganar e fraudar. Apegos, aversões, avareza, raiva etc., que são modos mentais, são ladrões, pois roubam o nosso discernimento. Quem, a não ser o Senhor, pode controlar a mente? Ele é o Senhor dos ladrões, pois além de ser o Senhor de todo o universo, também rouba o coração dos devotos. Os Vedas saúdam Shiva, no seu aspecto de Rudra, como Chefe dos.


23- Oh, Onipermeante! Conceda imediatamente a suprema felicidade a mim, que estou comprometido com a Sua adoração. Como poderei suportar a agonia se, como resultado dos cultos que realizo, Você me outorgar a posição de Brahmá ou a de Vishnu, e eu não conseguir encontrá-Lo no céu ou na terra, depois de tomar a forma de um pássaro ou a de um javali e sair à Sua procura?


O verdadeiro devoto anseia a Liberação ( moksha ) como fruto da sua devoção. Nada menos do que isso irá satisfazê-lo, nem mesmo o status de elevadas deidades como Vishnu e Brahma. A história aqui mencionada relata o fracasso desses dois deuses em encontrar a cabeça e os pés de Shiva


Brahmá e Vishnu certa vez tiveram uma discussão sobre qual dos dois era superior ao outro. Shiva então apareceu diante deles na forma de um pilar de luz – um Linga resplandecente – cuja base e o topo não podiam ser vistos. Brahmá e Vishnu entraram num acordo: aquele que conseguisse encontrar os limites do Linga seria declarado superior. Vishnu assumiu a forma de um javali e escavou a terra, com o objetivo de chegar à base do Linga. Brahmá se transformou num cisne, e voou para o alto, a fim de chegar ao topo. Nenhum dos dois foi bem sucedido em seus esforços por encontrar os limites da Glória Divina. Humilhados, eles oraram ao Senhor dos senhores, reconhecendo-O como a Deidade suprema.


Diz-se que o monte Arunachala, em Tiruvannamalai, Sul da Índia, representa o pilar de luz em cuja forma Shiva surgiu diante de Brahma e Vishnu.




24- Quando é que vou viver em Kailasa, no salão de ouro e esmeraldas, na companhia dos atendentes divinos, na presença de Shambho e, com as mãos juntas sobre minha cabeça, fazendo a oração: ‘Oh supremamente Auspicioso! Oh Onipermeante! Você, que está unido com a Mãe Divina! Oh Senhor! Proteja-me!’ Então eu passarei, feliz, o período correspondente à vida de muitos Brahmás como se fossem segundos!



SHIVANANDALAHARI Parte 9





25-Quando é que vou contemplá-Lo, com Seus três olhos e o pescoço azul, montado no Seu vigoroso e intrépido touro, segurando nas mãos o machado de guerra e o cervo, com Umá abraçando o seu corpo, enquanto Brahmá e outros deuses cantam hinos de louvor, os ascetas gritam ‘Hail, Hail’ e os atendentes divinos dançam à Sua volta?






26- Oh Morador da Montanha! Quando é que vou ter uma visão Sua, e desfrutar da felicidade que nem Brahmá e outros alcançaram, segurando com minhas mãos os Seus santos pés, pressionando-os contra minha cabeça, peito e olhos, abraçando-os e sentindo a fragrância deles, semelhante à de flores de lótus completamente abertas?





27 – Quando Você tem nas mãos como Seu arco a montanha dourada ( Meru ); quando o senhor das riquezas ( Kubera ) permanece próximo a Você ( como Seu servo ); quando a árvore celestial, Kalpataru, que concede os desejos, a divina vaca da abundância, Kámadhenu, e a pedra preciosa Cintámani, que também realiza os desejos estão todos no seu lar; quando a Lua está na Sua cabeça e toda a auspiciosidade aos Seus pés, que objeto de valor eu poderia Lhe oferecer? Que eu possa dedicar minha mente a Você, oh Habitante da Montanha!


SHIVANANDALAHARI, Parte 10





28- Oh Consorte de Parvati! Eu alcanço um aspecto semelhante ao Seu pela realização de rituais de adoração a Você; a intimidade com Você ao cantar louvores em Sua homenagem; a residência no Seu plano celestial pela associação com Seus nobres devotos; e a união com Você pela meditação na Sua forma, que abrange todos os seres, móveis e imóveis. Assim, consumarei meu objetivo ainda nessa encarnação!





29- Eu adoro os Seus pés de lótus, oh Onipermeante! Estou sempre contemplando-O, oh Ser Supremo! Eu me entreguei a Você, oh Senhor! Eu lhe rogo, satisfaça somente um desejo meu! Digne-se a me conceder aquele Seu compassivo olhar, tão ansiosamente buscado pelos devas, e dessa maneira comunique à minha mente a instrução que confere bem-aventurança eterna, oh Mestre do Mundo!




30-Oh Você, que usa a lua crescente como ornamento nos Seus cabelos emaranhados! Senhor das criaturas! Senhor de todos! Mestre dos mundos! Se eu tivesse mil braços como o sol (que tem incontáveis raios), para lhe oferecer roupas e vesti-Lo; se eu fosse onipermeante como Vishnu, para fazer cultos a Você com flores; se tivesse, como Vayú*, a faculdade de transportar fragrâncias, para oferecer o perfume de incensos a Você; se tivesse o controle sobre o fogo, como o tem Indra, o amo de Agni, para Lhe preparar oferendas de alimentos; se tivesse o status de Hiranyagarbha quanto a fazer recipientes, para poder utilizar no Seu culto os que fossem necessários – então eu poderia servi-Lo adequadamente!



*O deva que representa o vento.



SHIVANANDALAHARI, Parte 11





31-Oh Senhor das almas! Com o objetivo de proteger os seres, móveis e imóveis, que residem no Seu estômago, assim como os que estão fora do Seu corpo, Você nem engoliu nem cuspiu, mas reteve na garganta o terrível e flamejante veneno, que estava fazendo os deuses fugirem para salvar suas vidas. Esse único ato não é suficiente para revelar a Sua compaixão?


Neste verso e no próximo, Shiva é mostrado como um grande benfeitor do Universo. Ele é tão freqüentemente considerado como o destruidor que o Seu papel como protetor raramente é lembrado.


Nos Puranas é contada a história de como Shiva salvou todos os seres, bebendo o veneno Halahala. Os devas e os demônios estavam batendo o oceano de leite com a finalidade de conseguir o néctar, que lhes daria a imortalidade. Só que o primeiro objeto a sair do oceano de leite batido foi o terrível veneno Halahala. Tanto os deuses como os demônios fugiram dali às pressas. Movido pela compaixão Shiva veio socorrê-los, pôs o veneno em Suas mãos e a seguir na Sua boca. Se a substância chegasse ao Seu estômago as criaturas que ali residiam seriam destruídas, e então Ele reteve o veneno na garganta. Em conseqüência disso Seu pescoço, que era branco, tornou-se azul. Daí Ele ser chamado de Nilakantha (Nila-azul ; kantha-pescoço).



Uma outra interpretação diz que o veneno Halahala era o resultado da raiva, inveja e todas as outras negatividades acumuladas por um sem número de gerações, que Shiva tranqüilamente sorveu e reteve em Seu pescoço. Assim, podemos oferecer tudo o que é negativo em nós a Sri Nilakantha, pois Ele beberá, e não cuspirá nada de volta em nós. Ele aceitará o que quer que seja, e, compreendendo nosso estado mental, resultado do background de experiências passadas, dirá: ‘Sim! Se eu fosse você, também me sentiria assim!’









32- Oh Grande Ser, fonte de todo o bem! O que você achou que era aquele veneno flamejante, que estava aterrorizando até mesmo os devas? Como é que Você o segurou calmamente nas mãos, como se fosse um jambo-rosa maduro? Como é que você o colocou na boca, como se fosse um remédio para Siddhas? E como você o usa na garganta, semelhante a uma jóia azul?




33- Oh Senhor! Oh Mestre de todos! Para obter a Liberação não é suficiente que pessoas como eu O sirvam, nem que por uma só vez, prostrando-se diante de Você, louvando-O, escutando histórias sobre Você, realizando o Seu culto, meditando em Você ou visualizando a Sua forma? Por que outros meios, diferentes desses, a Liberação poderia ser alcançada? Sendo assim, o que é que se ganha com a fatigante adoração de deuses efêmeros?



O devoto aqui está convencido de que a graça de Shiva é o quanto basta para obter a Liberação. Para ele, até mesmo um único ato de adoração oferecido a Ele com toda a sinceridade é suficiente. Por que buscar outros deuses? Que poder independente eles possuem? Qualquer esforço feito para agradá-los só vai resultar em frustração.



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34- Oh Senhor de todos os seres! O que podemos falar sobre as Sua proezas? E, diga-me, quem se compara a Você em termos de coragem? Como esse Seu status pode ser obtido por outros? Contemplando o momento da dissolução universal, quando os devas perdem suas posições celestiais, os ascetas ficam aterrorizados e os mundos são destruídos, Você se diverte, sozinho e sem medo, totalmente feliz.



É somente quando está presente o conceito de ‘outro’ que há medo. Como Shiva é a realidade não-dual, Ele não tem medo, e é da natureza de Bem-aventurança. Sua felicidade não é passageira, nem eventual; Ele é a própria Felicidade. Por outro lado, o poeta indaga ‘como esse Seu status pode ser obtido?’. As escrituras afirmam que todos aqueles que realizam plenamente a identidade de jiva e Brahma obtém tal status, tornando-se imortais, sem medo e felizes para sempre.




35- Oh Shambho! Você tomou para Si a responsabilidade pelo bem-estar de todos os seres; Você está sempre pronto para outorgar todo o bem; Você é o perfeito revelador de todas as religiões, tanto as existentes como as que ainda vão surgir; Você é onisciente e todo-compassivo; o que posso Lhe pedir? Todos os dias penso em Você como o meu Ser mais íntimo e profundo.



36- Oh Você, que está permanentemente unido à Mãe Divina! Com o intuito de santificar meu corpo, semelhante a uma casa, vou realizar o ritual punyaha, pronunciando sagrados mantras, oferecendo o pote da minha mente tranqüila, que tem a alegria como a água da qual está cheio, a devoção como a corda enrolada em volta dele, os Seus santos Pés como as tenras folhas sobre ele colocadas, e a sabedoria como o coco por cima das folhas.


O ritual chamado punyaha é feito para purificar um lugar. Seu objetivo é a remoção da inauspiciosidade e das impurezas.Um cordão é enrolado em volta de um pote, que é enchido com água. Folhas de mangueira são colocadas na boca do recipiente, e sobre elas um coco. Mantras adequados são pronunciados, e atos ritualísticos realizados. Finalmente, as folhas são molhadas na água já santificada da vasilha, e salpica-se a mesma por todo o local. Este é o punyaha externo. No presente verso, o punyaha interior é explicado. Por esse procedimento, o corpo, os órgãos dos sentidos e a mente são purificados, e a intuição que leva à liberação se manifesta.



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37- Fazendo das suas inteligências resolutas o bastão e atando a ele a corda da devoção as pessoas de mentes virtuosas batem o oceano das Escrituras com entusiasmo, obtendo dele a Lua, a árvore que realiza os desejos, a vaca da fartura, a jóia que satisfaz os anseios, o néctar que confere imortalidade e a perene Bem-Aventurança característica dos sábios.




Faz-se novamente uma alusão à história de quando os Devas e os Asuras bateram o oceano de leite. Os vários e notáveis objetos que surgiram são mencionados aqui. O estudo das escrituras com um intelecto firme e decidido conduz não a uma diversidade de resultados, mas à meta final, a Liberação




38- Assim como o oceano se eleva magnificamente quando a clara e auspiciosa lua cheia acompanhada pelas estrelas e trazendo em si a figura do cervo surge por trás das montanhas do leste, libertando o mundo da densa escuridão, quando o tranqüilo e brilhante Shiva, acompanhado pela Divina Mãe e segurando o cervo (1) numa das mãos surge no coração do devoto numa forma nectárea, como fruto de méritos enormes como montanhas, adquiridos anteriormente, a Bem-Aventurança do Atman se revela com nitidez na mente. Só então a vida tem valor para os bons.




A lua cheia clareia a noite mais escura, deleitando a todos. Por sua vez, a Graça de Shiva libera as pessoas da ignorância e a felicidade se manifesta. Shiva é, portanto, a divina Lua transcendental.


!1) O cervo representa a ilusão. O fato de carregá-lo sem qualquer esforço numa de Suas mãos demonstra o total domínio que Shiva tem sobre Máyá.





39- Assim como no reino de um bom governante há sempre a preponderância da honestidade, o definhamento do mal, a prosperidade geral, o esclarecimento e a alegria, assim também quando Você – que é o venerável Rei dos reis, Soberano dos domínios da liberação – reina no lótus do meu coração minhas ações retas se aperfeiçoam, os pecados minguam, as paixões declinam, minha vida se torna feliz e cheia de sabedoria.



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40- Oh Senhor! Oh Mestre dos mundos! Quando, com a ajuda da roda d’água do intelecto e do pote das palavras, as águas puras das divinas histórias sobre Sadáshiva são trazidas para os campos do coração, através dos canais e subcanais da poesia, a devoção plantada produz uma abundante colheita. Onde estará então o medo da escassez ( do amor divino e seus frutos) para mim, Seu servo?




41- Oh Conquistador da Morte! Para que os pecados sejam destruídos e a Liberação alcançada, sou requisitado pela língua a cantar os Seus louvores, pela mente a contemplá-Lo, pela cabeça para que eu me prostre diante de Você, pelas pernas para andar em torno de Você (1), pelas mãos para fazer o Seu culto, pelos olhos para olhar para Você, e pelos ouvidos para escutar as Suas histórias. Conduza-me a fazer sempre essas ações, e recorde-me repetidamente delas. Não fique em silêncio com relação a isso.



(1) Para os hindus, andar em torno de uma pessoa, de um local ou de um objeto, mantendo-o sempre à sua direita, é um ato de reverência que confere mérito ao que o pratica. Sri Ramana Maharshi recomendava às pessoas que dessem a volta em torno do monte Arunachala, mantendo-o sempre à direita; ele mesmo fazia essa caminhada com freqüência.




42- Oh Senhor, que ama Durgá! Faça da bem-equipada fortaleza da minha mente a Sua residência, tendo como fosso protetor a profundidade de caráter, como muralhas a sólida coragem, como o exército leal a profusão de virtudes enobrecedoras, como portões os órgãos dos sentidos controlados e firmes no corpo e, como grande abundância de provisões, o conhecimento.


Neste verso há um trocadilho com a palavra Durgá, que tanto quer dizer ‘fortaleza’ como é um dos nomes da consorte de Shiva. No aspecto de Durgá a Divina Mãe se manifestou como guerreira destruidora de demônios, simbolizando a vitória do conhecimento sobre a ignorância.






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43- Oh Morador da Montanha! Oh Senhor! Oh Antigo Caçador! Não ande errante aqui e acolá! Habite somente em meu interior. Pois na floresta da minha mente residem vários tipos de feras, como a inveja, a ilusão, e outras. Matando-as, Você satisfará o Seu gosto pela caça.



A mente é comparada a uma selva cheia de animais ferozes. Que Shiva, o Caçador-chefe, se entregue ao Seu esporte favorito, nessa magnífica floresta. Assim, a mente ficará livre das suas paixões, e Shiva sentirá a satisfação de ter feito um bom trabalho.



44- Você segura nas mãos o cervo ( como o leão a sua presa ). Você exterminou os terríveis demônio-tigre e demônio-elefante (como o leão mata elefantes e tigres enormes). Você destrói todos os seres no final dos tempos ( como o leão faz o tempo todo com os animais da floresta ). Quando o Senhor Shiva – cuja forma é radiante e têm cinco rostos ( panchamukha ) habita na caverna do meu coração, de onde poderia me sobrevir qualquer medo?


Este verso está na forma de um jogo de palavras. As expressões se aplicam tanto a Shiva como a um leão. Shiva tem cinco rostos, e então é chamado de panchamukha, vocábulo que também significa ‘leão’. A mente do devoto é descrita como uma caverna. Quando o leão-Shiva habita nela, o devoto não precisa mais ter medo algum.



45- Oh nobre pássaro da minha mente! Abandone seus vôos errantes e sem sentido. Basta de tudo isso! Descanse sempre no ninho dos pés de lótus de Shankara*1, na árvore cujos galhos são os Vedas e a copa os Upanishads, que é adorada pelos pássaros-Brâmanes*2, que é eterna, que outorga felicidade, destrói o sofrimento e está sempre carregada de frutos cujo sumo é o divino néctar da imortalidade.



*1 Um dos nomes de Shiva.

*2 Os pássaros-Brâmanes aqui são as pessoas que buscam o conhecimento do Ser no estudo das Upanishads e na adoração do Senhor.



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46- Oh cisne real da minha mente! Permaneça na mansão dos pés do Senhor da Filha da Montanha (1), que brilha com a luz irradiada pelas suas unhas (2), que é alvejada pelos raios da lua crescente, que se tornou encantadora pelo fulgor dos rubis (3), e é freqüentada pela multidão de hamsas ( santos ) ! Na privacidade dos seus aposentos, deleite-se à vontade com as esposas da devoção (5)!


(1) Párvati


(2) unhas - Desses mesmos pés de Shiva, que como que emitem uma luminosidade.


A analogia com pássaros prossegue neste verso. Aqui a mente é comparada ao cisne–real, e os pés do Senhor com a sua magnífica mansão. Que a mente permaneça aos pés de Shiva, e que neles encontre o seu prazer. É aos pés de Shiva que os santos e sábios se deleitam. A palavra hamsa significa tanto ‘cisne’ como também ‘santo’ ou ‘sábio’.


(3) Os pés de Shiva são comparados a lótus vermelhos como rubis, em algumas passagens da literatura devocional.


(4) A devoção a Shiva é representada como um grupo de esposas com que o devoto se deleita na mansão dos pés de lótus do Senhor.




47- No jardim do coração chegou a estação da primavera da contemplação em Shambho, e as folhas secas dos pecados caíram. As trepadeiras da devoção soltam os brotos dos atos meritórios e começam a se espalhar, enquanto os botões das virtudes, as flores dos cantos sagrados, a fragrância da bondade, a abundância do mel da sabedoria e da bem-aventurança e a frutificação do conhecimento se mostram esplêndidos.



48- Oh Mente, melhor dentre os cisnes! Por que você se cansa nadando nos charcos da mundanalidade, adequados apenas para criaturas medíocres? Vá de uma vez por todas para o límpido lago da contemplação divina, que tem a eterna bem-aventurança como suas águas, os corações dos sábios e devas como flores de lótus, os homens santos como os pássaros que o freqüentam, os pecados como a sujeira que ele limpa e as tendências virtuosas como a fragrância que ele emite.
SHIVANANDALAHARI, 17






49 – Possa a trepadeira da devoção, regada com o néctar da alegria, que germinou e se desenvolve no canteiro dos pés de lótus de Shiva, com seus ramos se expandindo e se entrelaçando ao longo da estaca sustentadora da constância, que se espalha cobrindo o altaneiro telhado da mente, adubada com boas ações e livre das doenças dos pecados, produzir para mim o desejado e eterno fruto ( a Liberação ) !



50- Eu reverencio Mallikárjuna, o grande Linga em Shri Shaila ( a árvore Arjuna em flor, que cresce nas montanhas, com trepadeiras de jasmins enroscadas), que é abraçado por Párvati ( que é auspiciosa ) ; que dança magnificamente ao anoitecer ( cujas flores se abrem ao cair da noite ) ; que ocupa o topo da sabedoria Védica ( cujas flores enfeitam as orelhas e as cabeças das pessoa) ; cujo semblante é gentil, estando a dedicada Párvati ao Seu lado ( que tem um belo aspecto , com a presença de ávidas abelhas melíferas) ; que brilha nas reiteradas contemplações dos devotos ( que emite deliciosos perfumes) ; que usa serpentes como ornamentos ( cujas flores embelezam pessoas em busca de prazeres) ; que é digno de ser adorado por todos os deuses ( cujas flores se destacam entre as flores de outras árvores) ; que é a expressão de diversas virtudes (cujas flores possuem deliciosa fragrância, cor vistosa e outras qualidades) .


Neste verso é exaltado o Shiva-linga de Srishaila. Shrishaila, que fica em Andhra, é um renomado centro de peregrinação dos devotos de Shiva. O Linga desse local sagrado recebeu o nome de Mallikarjun.. Arjuna, que por sua vez, é o nome de uma árvore de flores perfumadas ( aqui não estamos nos referindo ao famoso herói do Mahabharata ) . Shankara mais uma vez faz uso de um trocadilho, desta vez comparando o Senhor a uma árvore florida.


Obs: as frases entre parênteses se referem a características da árvore Arjuna, à qual o Senhor está sendo comparado.



51- Oh Concessor de auspiciosidade! Oh Senhor de pescoço azul! ( Oh escura nuvem de chuva!) O pássaro Chátaka da minha mente anseia sempre por Você, que derrama abundantemente o néctar da compaixão (o Chátaka anseia pela nuvem que verte generosamente a água benfazeja ), que tem o poder de remover formidáveis dificuldades ( que é capaz afastar o calor abrasador ), que é adorado pelos devotos com o intuito de obterem o fruto da sabedoria ( que é desejada pelos fazendeiros desejosos de uma boa colheita ), que é capaz de assumir qualquer forma ( que assume formas peculiares ), que está rodeado de devotos dançando ( que deleita os pavões, que dançam alegremente ), que vive na montanha ( que está situada sobre os cumes das montanhas ), e que tem esvoaçantes cabelos emaranhados ( que é acompanhada por brilhantes relâmpagos ).


Obs: As frases entre parênteses referem-se às qualidades de uma nuvem carregada, à qual o Senhor Shiva é comparado.


Este verso também contém um jogo de palavras. Há nele um termo, Nílakamdhara, que significa tanto ‘O Senhor de pescoço azul’ como ‘A nuvem carregada de chuva’. O pássaro Chátaka, segundo a mitologia, não bebe outra água a não ser a da chuva, enquanto esta ainda não atingiu o solo. Daí a sua alegria ao ver as nuvens escuras. ‘Da mesma maneira’, diz o devoto, ‘a minha mente suspira por Você, oh Senhor!’ Ao ver as nuvens carregadas os pavões abrem suas caudas e dançam com alegria. Assim também os devotos dançam jubilosos quando obtêm a visão do Senhor. A chuva benévola remove os efeitos desagradáveis do calor, ajuda a tornar o solo produtivo, proporcionando alimento a todos os seres. Shiva, o Senhor Supremo, destrói todo sofrimento e outorga a Liberação para as pessoas, através da Graça que dEle flui.




Nota: Foi omitido o verso 51 do texto, pois o mesmo fazia várias referências a passagens mitológicas desconhecidas do tradutor. Assim , o verso aqui apresentado como sendo o de número 51 é na verdade o 52 do texto original.


SHIVANANDALAHARI, 18



52- O Senhor Shiva é semelhante a um pavão dançando. Ele tem o pescoço azul, assim como o pavão. Ele tem o céu como cimo da Sua forma, e o pavão as plumas no topo da cabeça. Shiva exibe o Senhor das serpentes como colar, enquanto o pavão, sendo inimigo mortal de todas as cobras, tem o domínio sobre elas. Ele é embelezado com ornamentos, assim como o pavão o é com a sua cauda multicor. Ele instrui aqueles que O adoram com o som do OM, abençoando-os, e o pavão emite seu grito conhecido como Keka. Ele dança de alegria ao ver a bela filha da montanha ( Párvati ), e o pavão dança feliz à visão das nuvens escuras que vêm das montanhas. Eu reverencio Shiva, que tem o pescoço azul, é comparado a um pavão, e se deleita nos jardins de Vedanta.



53- Eu adoro o Senhor de pescoço azul, que se sobressai por Sua esplêndida dança, que tem o entardecer como o fim do verão*, o som produzido do tambor tocado pelas mãos de Vishnu como o ressoar dos trovões, os olhos dos devas como os relâmpagos, as lágrimas de alegria dos devotos como chuva e a Divina Mãe Párvati como a pavoa.


*Na Índia o fim do verão é o início da estação das chuvas, quando os pavões dançam jubilosos.


Aqui se faz uma descrição da gloriosa dança do Senhor no entardecer. A alegoria do pavão prossegue. O cenário da dança do pavão inclui nuvens tempestuosas, trovões, relâmpagos, e a pavoa. Para a dança do Senhor os acompanhamentos são o tambor tocado por Vishnu, os olhos cintilantes dos devas que assistem à dança extasiados, as lágrimas de bem-aventurança dos devotos e a Senhora da Montanha, Párvati.









54- Eu me prostro diante de Shambho, que tem cabelos emaranhados, cuja existência precede a de tudo o mais, que é luz ilimitada, que é conhecido através das Escrituras, que é Aquele que precisa ser claramente compreendido, cuja natureza é conhecimento e felicidade, cujo propósito é salvar os três mundos, que é o objeto de meditação de todos os yogis, cujo louvor é cantado pelos devas, que é o Controlador de Maya, e que, ao anoitecer, fica absorto em sua requintada dança.



Nataraja, o Rei da dança, é Shiva, oculto em todos os movimentos rítmicos da Criação, assegurando a Ordem do universo. Ele está presente em tudo; a nível macro,por exemplo, nos movimentos da Terra e demais planetas em torno do sol e na disposição das galáxias, e no micro, na união dos gametas e subseqüentes multiplicações celulares que vão dar origem ao corpo de um novo ser vivo. A nível mental, ela está por trás das leis psíquicas que nos mantém na ilusão de sermos uma individualidade separada, e também das que destroem a ignorância quando amadurecemos e buscamos a Liberação.


SHIVANANDALAHARI – 19




55- Eu reverencio Shambho, que tem cabelos emaranhados e esvoaçantes, que é eterno, cuja forma é composta pelas três Gunas (1), que conquistou os três corpos (2), que é a felicidade de Parvati, que é a Verdade, que é o primeiro chefe de família, que é percebido diretamente pelos ascetas em suas mentes como Consciência Absoluta, que criou os três mundos pelo poder de Maya, que é o tema de todos os Upanishads e que se ocupa em dançar ao entardecer.



(1) Sattva, Rajas e Tamas


(2) Físico, sutil e causal


De novo temos uma visão da dança de Shiva ao cair da tarde. Seus cabelos esvoaçantes mostram a rapidez e intensidade da dança. O semblante sempre sereno revela o Conhecimento e a Paz mesmo em meio a todos os movimentos. Ele dança com Párvati a Seu lado, e dessa maneira cria o universo através de Maya.




56- Oh Senhor das almas! Desejando bens e com o intuito de prover minha segurança, estou sempre procurando as pessoas, e assim ando errante e em vão. Oh Onipermeante! Não estou familiarizado com as maneiras de servi-Lo. No entanto, oh Shiva, pela força do resultado de boas ações realizadas por mim em vidas anteriores, sei que Você habita no coração de todos, como o governante interior. Então, ao menos por esse motivo, Você deve proteger-me.



A futilidade de servir pessoas pouco elevadas objetivando receber proteção das mesmas é apontada mais de uma vez aqui. O indivíduo mediano, impelido pelo desejo por bens materiais, serve as pessoas que considera ricas e poderosas o que, segundo Shankaracharya, é uma perda de tempo e um desperdício da oportunidade dada por Deus. Dentre esses indivíduos, porém, alguns sentem a presença do Senhor, por conta do mérito de ações passadas. O caminho que leva à Liberação está aberto diante deles. Se o trilharem, serão salvos.




57- Oh Senhor das criaturas! O sol, que é apenas um, tendo penetrado na escuridão que envolve a terra e os céus, consegue destruí-la e se tornar visível. Por que Você, que é efulgente como dez milhões de sóis, não é conhecido ( por mim )? Oh, como é densa a minha escuridão mental! Por favor, destrua-a e revele-Se claramente!



O supremo Self é auto efulgente. Ele não requer nenhuma outra luz para se revelar. No mundo material, o sol é uma luminária que tem luz própria. No sentido espiritual, o Self possui uma luminosidade transcendente. Fazendo uso de um exemplo físico, dizemos que a luminosidade do Self ultrapassa a de dez milhões de sóis. Então, por que Ele não está manifestado para nós? Não é verdadeiro afirmar que o Self não está nem um pouco manifestado( pois ninguém pode negar a sua própria existência). Tampouco o é dizer que Ele está plenamente manifesto (pois embora as pessoas saibam que existem, não reconhecem com precisão a sua verdadeira natureza). Então, Ele está, e ao mesmo tempo não está, manifestado. Essa situação paradoxal é o resultado da ignorância. O devoto roga ao supremo Self, que é Deus, para que a remova.



SHIVANANDALAHARI, 20




58- Oh Senhor de todos! Oh Onipermeante! Oh Companheiro de Parvati! Assim como o cisne anseia pelo lago cheio de flores de lótus, o pássaro Chatáka pelas escuras nuvens de chuva, o pássaro Chakraváka pelo sol e o Chakora pela lua, assim também o meu coração deseja ardentemente os Seus pés de lótus que devem ser buscados nas Upanishads, e que outorgam a bem-aventurança da Liberação.




De acordo com a poesia sânscrita, os cisnes se alimentam de talos de lótus, o Chatáka não bebe outra água que não seja a das gotas de chuva que ainda não caíram no solo, o pássaro Chakora se nutre dos raios da lua e os casais da espécie Chakavákra ficam separados à noite, e portanto anseiam pelo nascer do sol. O intenso desejo do devoto pelo Senhor é comparado aos anseios desses pássaros.




59- Assim como um homem arrastado pela correnteza do mar precisa desesperadamente chegar à praia, um viajante cansado deseja muito a sombra de uma árvore, alguém encharcado pela chuva pensa no seu confortável lar, uma pessoa que precisa de alimento e hospitalidade quer se deparar com um chefe de família generoso, uma outra que é pobre almeja conhecer um homem rico e caridoso, uma outra mais que, afligida pela densa escuridão, tenta achar uma lamparina, e alguém que está passando frio anseia pelo calor do fogo, assim também, ó mente, busque os pés de lótus de Shiva, que destroem todos os medos!



60- Da mesma forma como as sementes da árvore Ankola são atraídas por ela própria ao caírem, ou como a agulha se aferra ao ímã, a devotada esposa ao marido, a trepadeira à árvore e o rio corre para o oceano, assim também se o fluxo da mente se dirige constantemente para os pés de lótus do Senhor das criaturas e lá permanece, isso é chamado de bhakti.


SHIVANANDALAHARI, 21




61- A Mãe Devoção acalenta seu bebê, o devoto. Ela faz com que ele, emocionado, derrame lágrimas de felicidade, veste-o com o manto da pureza, alimenta-o com o néctar das Suas histórias, protege o seu corpo com os amuletos das contas de Rudraksha e das cinzas sagradas e coloca-o para dormir no berço da Sua contemplação, oh Senhor.





62- O calçado desgastado pelo uso nos caminhos da floresta se torna o indicador do ponto entre as sobrancelhas de Shiva; o despejar da água carregada na boca, o Seu banho sagrado; pedaços de carne, parte dos quais já mordidos, substituem o oferecimento de alimento fresco; o caçador se transforma no maior dentre os devotos. O que o amor por Deus não é capaz de fazer? *



* ver a historia de Kannapa Nayanar, em anexo



63- Oh Shambho! Chutar o peito de Yama (1), fazer pressão sobre o terrível demônio da epilepsia (2), vagar errante pelo monte Kailása (3), roçar as coroas dos devas que se prostram diante de você (4) – essas são as atividades dos Seus delicados pés. Portanto, para protegê-los, ande sempre calçado com os sapatos adornados de jóias da minha mente.


Aqui o devoto oferece a sua mente para que o Senhor a use como um calçado. Shiva tem que executar diversas tarefas com os Seus pés, e não deveria fazê-lo sem protegê-los devidamente. Vamos detalhar um pouco algumas funções dos pés do Senhor:


(1) Markandeya foi um grande devoto do Senhor Shiva. Seu pai, Mrikandu realizou rigorosas austeridades com o objetivo de ter um filho. O senhor Shiva apareceu diante dele e disse: ‘Oh sábio, você prefere um bom filho, mas que vai viver só até os dezesseis anos, ou um tolo que terá uma vida longa? Mrikandu respondeu, ‘Oh venerável Senhor, que eu tenha um filho bom.’

Quando a data fatídica se aproximou os pais de Markandeya ficaram desconsolados. No entanto o jovem assegurou-lhes que venceria a morte. Ele foi para o templo e entregou-se completamente à adoração de Shiva. Yama, o deus da morte, enviou emissários para buscar a sua alma, mas eles não conseguiram entrar no sanctum sanctorum, onde Markandeya se encontrava. Então, Yama resolveu vir pessoalmente. O jovem orou a Shiva pedindo proteção, e abraçou o Lingam. Yama jogou seu laço em volta do Lingam e do moço, mas nesse momento Shiva saiu do Lingam e com um chute no peito do deus da morte o matou, salvando o rapaz.

Depois disso, os devas se aproximaram de Shiva e pediram: ‘Oh adorável Senhor, aceite as nossas saudações. Oh Oceano de misericórdia, traga Yama de volta à vida.’ Então Shiva ressuscitou Yama, e concedeu a Markandeya a graça de viver para sempre com o corpo de um adolescente de dezesseis anos.

(2) Os ascetas que habitavam a floresta Daruka, ficaram orgulhosos e deixaram de adorar Shiva e de fazer o Seu culto, achando que podiam alcançar a Liberação por meio de sacrifícios. Vendo isso, Shiva disse a Vishnu, ‘ Assuma a forma de Mohini ( uma linda mulher ) e entre na morada dos rishis da floresta Daruka. Eles não têm mais respeito por mim, e estão seguindo um caminho errado. Vamos lhes ensinar uma lição. Iluda-os, desperte neles o fogo da paixão.’ Shiva, por sua vez, assumiu a forma de um mendicante.

Então, o Senhor Hari tomou a forma de Mohini e entrou em Daruka. Ao vê-la, todos os ascetas perderam o poder de discernimento, e a seguiram excitados pela paixão. O Senhor Shiva, por sua vez, foi até onde estavam as esposas dos rishis, e caminhou por ali cantando belos e harmoniosos hinos. Aquelas mulheres ficaram fascinadas pelo charmoso mendicante, e foram todas atrás dele. Shiva, multiplicando a Si mesmo, apareceu na mente de cada uma delas, que se deleitaram abundantemente com Ele. Pela manhã, elas deram a luz a dezoito mil bebês rishis, de cabelos emaranhados ( semelhantes a Shiva ).

Vendo a condição de suas esposas, os rishis exclamaram, ‘Fomos enganados pela encantadora Mohini, e o mendicante se aproveitou para macular a castidade de nossas mulheres. Como a luxúria é poderosa! Maya é realmente misteriosa!’Furiosos, eles resolveram fazer um sacrifício para destruir o Senhor Shiva. Deram então início a um ritual, de cujo fogo emergiu um feroz tigre, que se lançou sobre o Senhor; este, porém, o matou com facilidade, e passou a usar a pele do animal em volta da cintura. Vários outros seres e objetos saíram daquele fogo para tentar aniquilar Shiva, mas Ele os dominou tranqüilamente, um a um. Uma dessas criaturas foi o Apasmára, um anão epilético e maligno, que Shiva derrotou num instante. Com a ponta de um dos pés o Senhor pisou as costas do Apasmára, quebrando a sua coluna vertebral. Na figura de Nataraja ( o Senhor da Dança ) Shiva tem o Apasmára deitado sob um de Seus pés.


O termo apasmára significa a convulsão epilética, que leva a pessoa a perder o seu estado usual de consciência, e dá a ela um acréscimo de força. A representação do Apasmára pode ser vista como a ignorância, a causa primordial do samsara, e também como aquilo que é infantil, que não amadureceu harmoniosamente como deveria em nossa mente; é a imagem da imaturidade emocional. É por isso que ele tem o corpo de uma criança com o rosto de um adulto. O amadurecimento virá se nos refugiarmos no Senhor; Shiva nos prenderá com seus pés, não com muita força, para não sermos esmagados, nem com excessiva frouxidão, para que não escapemos.



(3) O monte Kailása é o local de residência de Shiva. Seus pés constantemente trilham os caminhos pedregosos da montanha.



(4) Os devas estão sempre se prostrando diante dos pés do Senhor. Em seu afã de mostrar reverência, eles esquecem que causam a Shiva uma inconveniência considerável, ao menos do nosso ponto de vista, em virtude das suas coroas cravejadas de pedras preciosas se atritarem contra a pele dos pés do Senhor, no momento em que eles se prostram diante de Mahadeva.



Portanto, os pés do Senhor estão sempre realizando árduas tarefas. Por isso, o devoto oferece a Shiva a sua própria mente para que lê a use como um calçado, resistente e bonito.






A HISTÓRIA DE KANNAPPA NAYANAR



Nagan era o rei dos caçadores em Uduppur, Pottapi Nadu. Sua esposa se chamava Tattai. Eles eram grandes devotos do Senhor Subramanya, por cuja graça tiveram um filho, depois de muitos anos de casados. Como era um bebê bastante grande, puseram-lhe o nome de Tinnanar, que significa ‘muito pesado’.


Segundo o Tiru Kalahasthi Puranam, Tinnanar era uma reencarnação de Arjuna. Quando este foi adorar Shiva a fim de conseguir o astra Pasupatha, o Senhor foi ao seu encontro disfarçado de caçador, mas Arjuna não O reconheceu. Por esse motivo ele teve que nascer de novo, desta vez como um caçador, e adorar o Senhor, antes de obter a Liberação final.


Tinnanar foi educado de acordo com os costumes dos caçadores, e se tornou um bom arqueiro. Seu pai se retirou do trono e o coroou rei quando ele ainda era muito jovem. Embora sendo um caçador, pois era o seu dharma, Tinnanar tinha um coração grande, e não matava filhotes, fêmeas, animais doentes, etc. Espiritualmente falando, ele já tinha eliminado suas feras interiores, ou seja, a luxúria, a ira, a cobiça, a vaidade, etc.


Certo dia, durante uma caçada, um porco selvagem escapou da rede de Tinnanar, e estava fugindo. Junto com dois companheiros, Nanan e Kadan, Tinnanar foi atrás dele. Depois de algum tempo, já exausto, o animal parou perto de uma árvore, e rapidamente Tinnanar o abateu. Os três amigos se encontravam cansados e sedentos, e seguiram em direção a Ponmukali a fim de se refazer. No caminho, Tinnanar quis subir numa colina próxima e Nanan se ofereceu a ir com ele, dizendo que naquele monte, de nome Kalahasthi, havia um templo do Senhor Shiva. Kanan não foi com eles, e começou a assar o porco.


Logo que começou a subir a colina, Tinnanar percebeu claramente uma transformação acontecendo em seu interior. A sensação era a de que um grande fardo estava sendo retirado de seus ombros. Ele estava perdendo a consciência do corpo. No momento em que viu o Lingam do Senhor, sentiu um grande amor brotando em seu coração. Ele abraçou e beijou o Lingam, derramando lágrimas de felicidade. Com o sentimento de que o Senhor estava solitário ali, ele achou que daquele momento em diante deveria permanecer naquele lugar, co Shiva. Então, pensando que o Senhor poderia estar com fome, Tinnanar, embora relutando em deixá-Lo, desceu a colina a fim de buscar comida. Ele pegou as melhores partes do assado que Kadan tinha preparado, provou cada uma delas, e separou as que estavam mais saborosas para o Senhor. Ao retornar com o alimento, Nanan lhe disse que Shiva devia ser adorado diariamente com água, flores, etc., antes da comida ser oferecida. Então, ele começou de imediato a reunir os demais artigos para o culto. Ele encheu a sua própria com água do rio que por ali corria, e quanto às flores, apanhou-as e colocou-as em sua cabeça! Ele pegou os pedaços da carne de porco, seu arco e flechas e subiu de novo a colina, dessa vez sozinho. Já no templo, Tinnanar despejou sobre o Lingam a água que transportava na boca, decorou-o com as flores que trazia na cabeça e colocou diante deles a carne. Em seguida, saiu e ficou na porta do templo montando guarda, para evitar que algum animal selvagem entrasse. De manhã ele foi de novo caçar, a fim de trazer alimento fresco para o Senhor. Nesse meio tempo, Nanan e Kadan começaram a ficar preocupados com as transformações por que seu amigo estava passando, pois temiam que ele estivesse ficando louco. Eles foram então ao encontro dos pais de Tinnanar, que vieram até o templo tentar trazer o filho de volta para casa, mas foi em vão. Ao verem que seus esforços eram inúteis, eles foram embora.


Na primeira manhã em que Tinnanar desceu a montanha para obter comida para o Senhor, o sacerdote do templo, chamado Shivagochariar, chegou para o culto ortodoxo habitual. Ele ficou horrorizado ao ver a profanação que alguém tinha feito ali, e imediatamente fez os necessários ritos purificatórios, tomou um banho e começou seu culto formal. Ele trouxe água numa vasilha consagrada, não sem antes colocar uma bandagem sobre a sua própria boca, para que seu hálito não poluísse o líquido; trouxe também flores, frutas e doces recém-preparados, e sem que ninguém os tivesse provado ainda, para não poluí-los. Feito o culto, o sacerdote voltou para sua casa. Pouco depois, Tinnanar retornou com a carne fresca. Ele retirou a decoração que o religioso tinha feito e fez o culto à sua maneira, depois do que ficou novamente de guarda na entrada.


Esse estado de coisas prosseguiu por cinco dias. Aborrecido com o que para ele era um sacrilégio, o sacerdote orou intensamente para que Shiva desse um fim àquela situação. O Senhor no entanto não pensava assim, e quis mostrar a Shivagochariar a natureza da suprema devoção de Tinnanar. Em sonho, Ele instruiu o sacerdote para que se escondesse atrás do Lingam, para que presenciasse o que ia acontecer quando o caçador retornasse ao templo no dia seguinte. Na manhã do sexto dia Tinnanar saiu, como de costume, em busca de alimento para o Senhor. Quando estava voltando ele viu diversos maus agouros, e achou que algo de ruim tinha acontecido a Shiva. Ele estava tão inconsciente de si mesmo que nem pensou que alguma coisa ruim poderia ocorrer a ele próprio, mas apressou o passo em direção ao templo. Lá chegando logo percebeu que o olho direito do Senhor vertendo lágrimas de sangue, o que muito o afligiu. Os artigos que ele estava trazendo para o culto lhe caíram das mãos. Tinnanar tentou curar o olho de Shiva com ervas medicinais, mas de nada adiantou, o sangramento não parava. De repente, uma idéia simples lhe ocorreu: de pronto, com uma de suas flechas ele extraiu o seu próprio olho direito e substituiu o olho prejudicado do Senhor por ele. Funcionou. Ele ficou muito feliz, e começou a dançar, em êxtase, quando notou que o olho esquerdo de Shiva começava a sangrar. Mas ele já tinha descoberto a solução. Só havia um problema: como localizar o segundo olho do Senhor quando o seu próprio olho esquerdo também já tivesse sido retirado. Tendo isso em mente, ele marcou o local colocando ali a sola da sandália do seu pé direito, e começou a extrair o seu olho esquerdo com a seta.


Naquele momento o Senhor Shiva apareceu e, segurando a mão do Seu devoto, disse, ‘Meu querido Kannapa! Não tire o seu olho’. O Senhor repetiu a palavra Kannapa três vezes. Kannapar foi triplamente abençoado. Tinnamar passou a ser conhecido como Kannapar, pois ele deu o seu próprio olho para o Senhor. O Senhor segurou Seu devoto com ambas a mãos, e o colocou do Seu lado direito. Pela graça de Shiva,Kannapar readquiriu plenamente a visão, e viveu como um deus. Shivagorachiar, por sua vez, compreendeu a verdadeira natureza da devoção.


SHIVANANDALAHARI, 22





64-Oh Companheiro de Párvati! O que é impossível neste mundo para aquele cuja mente adora os Seus pés? Ao vê-lo Yama foge(1), temendo levar outro chute no peito; os devas o adoram realizando a cerimônia do arati, agitando as luzes faiscantes emitidas pelas jóias incrustadas em suas coroas; e a noiva Mukti ( Liberação ) o segura num abraço apertado e inseparável.


(1) Faz-se aqui uma alusão à história de Markandeya, já relatada como ilustração ao verso anterior. Está subentendido que Shiva é igualmente misericordioso para com todos os devotos, e assim o Deus da Morte deve se precaver, sabendo que o devoto verdadeiro e sábio é imortal em espírito.



65- Oh Concessor de todo bem! Para Você a criação desses mundos é como uma brincadeira, e as pessoas que neles habitam fazem parte dela. Qualquer que seja a ação realizada por mim ela é para o Seu prazer, somente. Portanto, Oh Senhor, como todos os meus atos certamente contribuíram para a Sua diversão, compete a Você me dar proteção.





66- Eu busco refúgio na contemplação do supremo Sadáshiva, a que se dedicam aqueles que desejam o fruto da Liberação eterna, e que gera diversas experiências maravilhosas, como lágrimas de bem-aventurança e arrepios de emoção no corpo.



SHIVANANDALAHARI 23





67- Oh Senhor das Criaturas! Oh Compassivo! Por favor, proteja essa minha única vaca, a Devoção, que é o fruto de ações meritórias, que produz contínua e abundantemente ( como se fosse leite ) o néctar da satisfação, e que vive no curral dos Seus Pés imaculados.



68-Eu não sou obscuro como a lua nova; não tenho parentesco com animais, diferentemente da lua, em cujo coração está a lebre; não sou maculado com impurezas, ao contrário do disco lunar, com suas manchas; tampouco o meu caminhar é tortuoso, ao passo que a lua é caracterizada por seu curso irregular. Mesmo que tivesse qualquer um desses defeitos eu não seria apto para ser Seu ornamento, oh Shiva, que tem a lua como enfeite na cabeça?



A lua tem os quatro tipos de defeitos mencionados por Shankara. Ainda assim o Senhor tem a lua crescente ornamentando os Seus cabelos emaranhados. Por isso o devoto argumenta que, quer ele tenha defeitos, quer não, o Senhor deve aceitá-lo.



69- Shiva é tranqüilo e encantador, e é fácil (1) de ser adorado, tanto em segredo (2) como abertamente (3), pelos que têm um intelecto independente. Ele, o Senhor que habita em meu coração e ao mesmo tempo transcende o mundo, concede recompensa infinita (4).



(1) adorar o Senhor deveria ser muito fácil. No entanto parece ser o contrário, para aqueles que ainda não começaram a sentir a Sua Graça.


(2) no coração.


(3) vendo Sua presença em todos os seres.


(4) a Liberação.


SHIVANANDALAHARI, 24







70- O melhor dentre os inteligentes põe no arco da sua mente a corda da devoção firme, e tendo destruído seus inimigos, os pecados, com as infalíveis setas da contemplação de Shiva, se torna vitorioso e conquista a esplêndida e imperecível soberania da Liberação.




71- Busque cuidadosamente (1), depois de aplicar o colírio mágico da contemplação divina nos olhos. Abra caminho através da sombria região da ignorância, fazendo rituais cujas oferendas são os sagrados nomes do Senhor. Oh Auspicioso! Quem quer que assim proceda e alcance os Seus pés de lótus, que são o refúgio dos devas e que têm como ornamentos serpentes, atinge a meta da existência humana.


(1) o Self, ou Shiva





72- Oh mente sensata! Adore os pés de lótus de Shiva, que constituem o bem irrigado campo onde cresce a preciosa erva da Liberação, desejada por você. Para alcançar esse campo (1) até mesmo Vishnu, o esposo de Shri (2) e de Bhú (3) assumiu a forma de um javali(4).


(1) O campo constituído pelos pés de lótus de Shiva.


(2) A deusa da beleza e da prosperidade.


(3) A deusa personificada como a Terra.


(4) Ver o comentário ao verso 23.



SHIVANANDALAHARI 25




73- Que os pés de lótus de Shiva, cujas vestes são os pontos cardeais (1), encham o guarda-roupa da minha mente com a sua refinada fragrância, que destrói os odores desagradáveis das más tendências, da ilusão, das paixões, etc.


(1) Dizer que as vestes de Shiva são os pontos cardeais equivale a dizer que Ele está despido, e ao mesmo tempo que é infinito.


74- Oh Destruidor de Cupido (1)! Oh Líder de todos os mundos! Oh Você, que monta o Touro! Passe a utilizar como montaria em Seus deslocamentos o cavalo da minha mente (2), que tem uma boa índole, que pode se mover de diversas formas, que é muito veloz, que tem a capacidade de compreender todas as intenções, que não tem vícios e é dotado de características estáveis.


(1) Os Puranas relatam que Káma ( conhecido como Cupido, no Ocidente ) foi incinerado por Shiva. Essa história começa quando Daksha, genro de Shiva, realizou um sacrifício, mas não o convidou. Dáksháyani, consorte de Shiva, foi à casa de seu pai assistir o ritual, e lá foi insultada. Ela então cometeu suicídio, jogando-se no fogo sacrificial. Ao saber do acontecido, Shiva destruiu o ritual de Dáksha. Dáksháyani renasceu como Párvati, filha de Himaván ( Himalayas ). Com o objetivo de desposar Shiva novamente ela praticou diversas austeridades. Mas Shiva estava absorto em meditação, desinteressado pelas coisas mundanas. Os devas, por sua vez, estavam sendo fustigados pelo demônio Táraka, e queriam que Shiva e Párvati tivessem um filho, que acabaria com o demônio. Eles enviaram Káma, a deidade da paixão, para que despertasse no coração de Shiva um interesse por Párvati. Quando Káma estava se esforçando ao máximo para tirar Shiva da Sua meditação, este abriu o Seu terceiro olho e carbonizou Káma instantaneamente. Posteriormente Shiva, reconhecendo o valor de Párvati, casou-se com Ela. O episódio de Shiva e Káma mostra que Sri Mahadeva não pode ser sujeitado pelas paixões.


(2) Shiva precisa ir rapidamente para onde quer que seja chamado, para ajudar os devotos e as pessoas que estão sofrendo. Como fazer isso com um veículo lento como o Touro? O devoto coloca a serviço do Senhor um veloz cavalo, a sua própria mente purificada.



75- A nuvem do amor divino, situada no céu dos pés de Shiva, faz cair abundantemente a chuva da bem-aventurança. Aquele cujo lago da mente fica repleto obtém uma colheita perfeita da safra da vida; os outros, não.


Temos mais uma vez a analogia da agricultura. É a mente que está cheia de devoção a Deus que obtém a meta final, moksha.


SHIVANANDALAHARI, 26



76– Oh Senhor! Como uma jovem esposa que está distante do seu marido, minha mente busca se apegar aos Seus pés de Lótus, recordando-se deles constantemente de modo a se tornar firme. Fascinada pelo Nome de Shiva ela se ocupa meditando em Você, visualisando-O e louvando-O.


A mente do devoto é comparada a uma mulher jovem que está afastada do marido. A mente não consegue suportar a separação do Senhor. Não há lugar nela para nenhum outro pensamento, ela pensa Nele constantemente. E o Senhor se torna a única coisa que interessa às diversas faculdades, como a visão, a fala, a memória, etc.



77 – Assim como se encoraja uma esposa recém-casada descrevendo para ela as qualidades do seu cônjuge, assim também, oh Senhor, eleve o meu intelecto instruindo-o minuciosamente sobre a Sua Pessoa – esse intelecto que foi adequadamente treinado no Seu serviço, que está dotado de humildade e que tomou refúgio junto às pessoas boas e santas.


A linguagem do noivado místico prossegue aqui. O intelecto é a noiva, possuidora de todas as virtudes necessárias para se unir ao Senhor. Que Ele então venha e despose essa noiva.



78- Oh Concessor do bem! Os Seus pés são adequados para caminhar sobre as pétalas dos lótus dos corações dos yogis. Como foi que eles conseguiram quebrar o osso do peito do Deus da morte? Ah, como os Seus pés são delicados! A minha mente está preocupada, pensando em protegê-los. Digne-se a trazê-los para perto de mim, oh Senhor, de modo que eu possa vê-los e massageá-los suavemente.


Aqui se faz referência novamente a como Shiva não deixou Yama, Deus da morte, levar seu devoto Markandeya.


SHIVANANDALAHARI, 27




79- ‘Essa pessoa vai nascer. Seu coração vai ser muito duro. Eu vou precisar dançar sobre ele.’ Assim pensando com o intuito de me proteger, Você acostumou antes os Seus pés, caminhando sobre os cumes das montanhas. Se não for por isso, oh Senhor, para que dançar sobre áreas pedregosas, quando há disponíveis locais como mansões celestiais, leitos macios como flores ou pátios cobertos?



No verso anterior, o devoto se admirou de como os delicados pés do Senhor puderam agüentar o violento esforço de chutar o rijo peito de Yama. No presente verso, o devoto lembra que o seu próprio coração é muito duro. O Senhor já sabia que essa pessoa iria encarnar, que o coração dela seria duro, e que Ele teria que dançar sobre esse mesmo coração. Por causa disso Ele escolheu como moradia a montanha, para que Seus pés se acostumassem com um solo áspero. Que outra razão poderia haver para tal escolha? Há inúmeros outros locais melhores para o Senhor residir, como o coração dos devas, a mente das pessoas boas e piedosas, os altares onde as oferendas são feitas, etc.




80- Oh Consorte de Umá! Qualquer pessoa que alcance um estado no qual ela, entregando alegremente o seu coração a Você, passe parte do tempo Lhe adorando, parte em meditação e concentração, parte se prostrando diante de Você, parte escutando as Suas histórias, parte contemplando a Sua sagrada imagem e parte cantando os Seus louvores, é verdadeiramente uma pessoa liberada!


Quando a devoção se torna madura leva à jivanmukti, ou liberação em vida. É a mente que ata a alma, e é a mente que a libera. A mente que está apegada aos objetos, ata; a que está devotada a Deus, libera.





81- O Senhor Vishnu ( Hari ) realmente assumiu muitas formas – a da flecha, a do touro, a da esposa que ocupa metade do corpo do marido, a do javali, a de uma amiga, a do tocador do tambor, etc.; Ele também ofereceu seu próprio olho aos Seus pés ( no lugar de uma flor de lótus ). Esse Vishnu, que é parte do Seu ser, é o mais venerável dentre os veneráveis; pois, quem pode superá-lo?


Aqui, é celebrada a forma Hari-Hara. Vishnu ( Hari ) está associado com Shiva ( Hara ) de várias maneiras:


(1) Ele se tornou a seta com a qual Shiva destruiu as três cidades dos demônios.


(2) Como o touro Nandi, ele serve de veículo para Shiva.


(3) Ele se tornou a esposa de Shiva, ocupando a metade do Seu corpo.


(4) Ele assumiu a forma de um javali e escavou a terra tentando, sem sucesso, alcançar os pés de Shiva, que se manifestara como uma coluna de luz.


(5) Assumindo a forma de Mohini, uma jovem encantadora, Vishnu ajudou Shiva em duas situações: Os devas e os asuras ( demônios ) queriam a todo o custo o Néctar que resultou da batedura do oceano de leite, e que conferiria, a quem o bebesse, a imortalidade. Mohini, com a concordância dos dois lados, tomou para si a tarefa de distribuir a bebida entre eles, mas propositalmente começou por dá-lo aos devas, até que quando chegou a vez dos asuras o líquido tinha acabado. Em outra ocasião, um demônio, chamado Bhasmásura, depois de praticar severas austeridades obteve de Shiva o poder de destruir qualquer criatura, bastando para isso por as mãos na cabeça da mesma. A primeira pessoa que Bhasmásura tentou liquidar foi Shiva, que fugiu e pediu auxílio a Vishnu. Este, assumindo a sensual forma de Mohini, acabou atraindo o asura para uma dança, na qual induziu Bhasmasura a colocar as mãos em sua própria cabeça, reduzindo-o imediatamente a cinzas.


(6) Vishnu bate o tambor enquanto Shiva dança.


(7) Para realizar o ritual de cantar o Shiva-Sahashranama ( Os Mil Nomes de Shiva ), Vishnu tinha coletado mil flores de lótus, que ia depositando aos pés de Shiva à medida em que cantava cada Nome. Para testar a devoção de Vishnu, Shiva escondeu uma das flores. Chegando ao fim do ritual e percebendo que faltava uma flor, Vishnu sem hesitar arrancou um de seus olhos, oferecendo-o a Shiva no lugar do último lótus.



SHIVANANDALAHARI, 28





82- Nem um pouquinho de felicidade resulta da adoração de deidades sujeitas ao nascimento e à morte; com relação a isso, não resta a menor dúvida. Aqueles que adoram o Senhor de Párvati, que não tem nascimento e é eterno, são verdadeiramente afortunados; eles obtêm a felicidade suprema.


Idéia semelhante já foi colocada no verso 4. A adoração de deidades menores não nos leva à meta final, a Liberação. Shiva, por sua vez, sendo eterno, pode salvar a alma, e outorgar a ela a suprema felicidade.



83- Oh Concessor de todo bem! Você, a Causa de tudo! Oh Amigo de todos os mundos! Oh Oceano de Existência-Consciência-Felicidade! Eu vou Lhe dar de presente uma donzela de índole virtuosa, que é a minha mente, para ajudar Gáuri (1) a servi-Lo. Que Você habite sempre na morada do meu coração!


(1) Gáuri – Párvati, consorte de Shiva.



84- Oh Senhor cujos cabelos são adornados com a lua crescente! Eu não tenho capacidade para bater o oceano, nem para penetrar nas regiões inferiores, nem tampouco sou um caçador hábil. Como posso então realizar o Seu culto oferecendo-Lhe artigos apropriados como alimento ( o veneno Kálakúta ), flores ( a Lua ), ornamentos ( serpentes ) e roupas ( pele de tigre )? Por favor, me diga!


O devoto está sem saber como vai adorar o Senhor, pois não é capaz de conseguir os objetos que Shiva aprecia. O veneno Kálakúta é o alimento do Senhor, mas só é obtido batendo-se o oceano de leite. Os adornos de Shiva são serpentes, mas para trazê-las é necessário entrar em grutas e cavernas escuras ( as regiões inferiores ). Shiva se veste com pele de tigre ou couro de elefante. Para matar esses animais é preciso ser um grande caçador. O devoto diz, ‘Como posso Lhe oferecer os objetos que Você aprecia se não possuo as habilidades necessárias para obtê-los?’

SHIVANANDALAHARI 29




85- Os artigos para o culto foram obtidos. Mas, como vou realizar o ritual? Eu não adquiri o status de um pássaro, nem de um javali (1). Oh Onipermeante! Eu não vejo a Sua coroa, nem os Seus pés de lótus. Na verdade, Brahmá e Vishnu também não conseguiram vê-los, quando assumiram as formas daqueles animais.



(1) Assumindo as formas de um pássaro e a de um javali, Brahmá e Vishnu saíram em busca da cabeça e dos pés de Shiva, respectivamente, mas não chegaram alcançar seus objetivos.




86- Oh Fonte de Bem-Aventurança! O veneno é o Seu alimento, as serpentes os Seus ornamentos, as Suas vestes são peles de animais e o Seu meio de transporte é um grande touro. O que então Você vai me dar? O que mais você possui? Dê-me somente devoção aos Seus pés de lótus.



No verso 86 o devoto disse, ‘Como posso Lhe oferecer os objetos que Lhe são apropriados, como veneno, serpentes e peles de feras?’ No presente verso ele diz ‘Que coisas Você poderia me dar que me seriam úteis? Eu não tenho o que fazer com veneno, serpentes, etc. Portanto, peço apenas devoção aos Seus pés.’




87- Eu serei competente, oh Shiva, para realizar com plena perfeição o Seu culto, Seu louvor e para meditar em Você somente quando me tornar semelhante àquele que construiu uma ponte sobre o oceano (1), ou ao que pressionou para baixo o grande monte Vindhya com a palma de sua mão (2) ou àquele que superou o Criador Brahmá (3).


(1) Sri Rama

(2) o sábio Agastya

(3) Sri Krishna


Não é possível para uma pessoa comum fazer o culto de Shiva, cantar os Seus louvores ou meditar Nele, compreendendo completamente o significado desses atos. Para tanto, ela deveria ter a estatura espiritual de Sri Rama, do sábio Agastya ou de Sri Krishna. Sri Rama, que construiu a ponte sobre o mar até Lanka, realizou o culto a Shiva em Rámeshwaram. O sábio Agastya abateu o orgulho do monte Vindhya. E Sri Krishna deu uma lição no próprio Criador Brahmá, quando este raptou seus amigos, os meninos-pastores de Vridavan.


A seguir, vamos relatar a história de Agastya e da montanha Vindhya. Esta última, em determinado momento, passou a invejar a altura dos Himalaias, e então começou a crescer em direção ao céu, a fim de superá-los. Vindhya cresceu tanto que passou a obstruir a luz do sol, e a criação inteira ficou ameaçada de ser tragada pela escuridão. Os devas no céu, perturbados com aquilo, foram até o sábio Agastya pedir proteção para si, para a humanidade, as plantas e os animais contra aquela exibição destrutiva de poder.


Agastya concordou em ajudá-los. Ele foi até o monte Vindhya, e lhe disse que estava de partida para uma peregrinação. Vindhya prestou reverências ao sábio, prostrando-se diante dele, como era costume. Agastya então pediu à montanha que mantivesse seus picos naquela posição até que ele retornasse da viagem, e ela concordou. Colocando sua mão sobre o cume do monte, Agastya o abençoou e partiu, para não mais voltar. É dito que Vindya espera até hoje pelo retorno do sábio!

SHIVANANDALAHARI 30




88- Oh Senhor dos Mundos! Você não ficou tão satisfeito com gestos de reverência, cantos de louvor, cultos, rituais, meditações e concentrações como com o oferecimento de resistência a Você com o arco (1), o pilão de ferro (2) e pedras. Diga o que realmente Lhe agrada, e eu agirei de acordo.


O devoto diz que os métodos convencionais de culto não parecem agradar a Shiva. Senão, por que Ele aceitou formas estranhas e rudes de adoração?


(1) Arjuna realizou austeridades com o objetivo de alcançar a graça de Shiva. O Senhor então apareceu diante dele, disfarçado de caçador. Surgiu uma disputa entre os dois, acerca de um animal que cada um deles alegava ter sido abatido pela sua seta. Isso acabou numa luta entre os dois, da qual Arjuna, habilíssimo no uso do arco e flecha, saiu vencedor. Shiva, ao contrário do que poderia se esperar, ficou imensamente satisfeito com aquilo, e Se revelou a Arjuna.


(2) Shílavatí : Era uma mulher devota que com um pilão de ferro tirava a casca do arroz dos agricultores, recebendo em troca um pouco do grão. Ela nunca comia antes de alimentar devotos de Shiva. Certo dia o próprio Shiva foi à casa dela disfarçado, mas quis partir antes de comer. Ela então o ameaçou com o pilão de socar arroz, para que não fosse embora sem se alimentar, e acabou tendo a sua devoção reconhecida por Ele, obtendo a Sua graça.


(3) Shankhapuram era um vilarejo apreciado pelo próprio Shiva. Ali viviam e prosperavam pessoas das quatro castas, e também sannyasis em diversos Ashrams. Havia perto dali uma outra aldeia, em que a maioria da população era budista, e onde residia o comerciante Shákya. Originariamente budista, ele no entanto já presenciara rituais realizados por pessoas versadas nos Vedas, em Shankhapuram. Tendo aprendido bastante sobre Shiva, passou a meditar constantemente Nele, e abandonou a sua fé anterior no Budismo.


Ele começou a se banhar no rio diariamente, e em seguida se dirigia ao templo de Shiva, em Shamkhapuram. Para enganar os budistas Sákya não entrava no templo, mas adorava fervorosamente a imagem do Senhor à distância. Para não revelar seus sentimentos aos budistas, atirava pedrinhas no linga, fazendo-os crer que estava tendo uma atitude desrespeitosa. Essa prática de adoração por meio de jogar pedras tornou-se um ritual diário para o devoto, que fez um voto de não se alimentar mais antes de realizá-la.


Certo dia caiu uma tempestade sobre Shankhapuram. A chuva era muito forte, e a escuridão era quase total. Os objetos só podiam ser vistos à luz dos relâmpagos. Os raios caíam seguidamente, e estava muito perigoso se aventurar a sair no campo aberto.


Shákya esperou um longo tempo, mas a natureza não se aquietava. Apesar de estar com muita fome ele não se sentia inclinado a quebrar a sua promessa. Decidindo enfrentar o mau tempo, foi até o rio tomar um banho, embora não fosse necessário, pois logo ao começar a caminhar ele já ficou completamente encharcado. Tendo se banhado, Shákya se dirigiu para Shankhapuram, através do terreno inteiramente alagado.


Com a ajuda dos clarões das faíscas e com muito esforço o corajoso devoto chegou ao templo, cujas torres cintilavam à luz dos raios, emitindo um brilho místico. A cena produziu ondas de emoção no coração de Shákya, e ele, que antes tremia de frio, passou a sentir uma tranqüila alegria. Então, como que voltando a si, ele começou a procurar as pedrinhas, pois não queria interromper a sua disciplina diária, embora não houvesse por ali nenhum budista para observá-lo. Porém, por mais que tentasse, não achava nenhuma pedrinha. Só o que se via era areia e resíduos por toda parte, devido à inundação. Ele estava a ponto de ser compelido a interromper o seu hábito. Não suportando sequer pensar nisso, ele viu que a sua própria cabeça poderia ser um substituto. Imediatamente Shákya correu para dentro do templo e golpeou a cabeça contra uma coluna de pedra. Quando ia repetir o terrível ato, a mão salvadora do Senhor o impediu. Shákya viu então a encantadora figura de Shiva, sentado sobre Nandi. No mesmo instante ele se fundiu naquela forma benigna, sem deixar para trás qualquer vestígio do seu corpo.


89- Eu não estou preocupado com os métodos mais elevados do yoga, de meditar em Você com a mente concentrada. Com a língua eu relato as Suas histórias, com a mente adoro a Sua forma e com a cabeça me prostro diante de Sadáshiva, o eternamente puro.




90-Oh Senhor que tem a lua como ornamento em Sua cabeça! Pela Sua graça a ignorância primordial que estava alojada no meu coração desapareceu, e o deleitável conhecimento divino se revelou. Faço dos Seus pés de lótus, que trazem auspiciosidade e são como cálices da liberação, o objeto da minha meditação e adoração.


A suprema meta da devoção a Shiva é a liberação. A ignorância é a causa da limitação. O que remove a ignorância é a sabedoria. E o que confere sabedoria é a graça do Senhor.

SHIVANANDALAHARI 31







91- Oh Consorte de Gaurí! Pelo Seu olhar misericordioso a má sorte, as desgraças, o egoísmo, as aflições, o orgulho infundado e a forma de falar desagradável e injusta – todos indicativos de um mau destino e de pecados – foram erradicados. Nesta mesma vida eleve e salve a mim, que estou sempre bebendo o néctar das Suas histórias.



É pela graça de Deus que tudo o que é ruim é eliminado. A perversidade, os pecados, as desgraças – tudo isso desaparece como a névoa diante do sol da graça divina.



92-Que o meu coração sempre se deleite em Shiva, o Senhor da filha da montanha (1) que usa na fronte como adorno a lua crescente, cujo pescoço é de um belo e profundo azul, semelhante ao das nuvens de chuva, e cuja forma é supremamente luminosa.



(1)Párvati



93- A língua que relata as histórias de Shiva é uma língua verdadeira; os olhos que contemplam a Sua imagem são olhos verdadeiros; as mãos que sempre fazem o Seu culto são mãos de verdade; e aquele que constantemente se lembra Dele alcança o verdadeiro objetivo da vida.

SHIVANANDALAHARI, 32




94- Oh Consorte de Párvati! Oh Concessor do bem! Abandone a idéia de que os Seus pés são demasiado macios, e o meu coração duro demais. Pois como é que Você se move pelas montanhas ( onde tem que pisar nas mais ásperas rochas ) ?



Aqui, de novo o devoto repete um pedido já expressado anteriormente, para que o Senhor não se recuse a entrar no seu coração, alegando ser o mesmo duro demais para os Seus suaves pés.




95- Oh Destruidor das três cidades! Puxando-o rapidamente com o gancho da firmeza, ate o lascivo elefante da minha mente ao poste dos Seus pés com a corrente da devoção, utilizando o conhecimento de Brahma como trava.



Neste e no próximo verso a mente é comparada a um elefante selvagem, que deve ser capturado e controlado. Só o Senhor é capaz de fazê-lo.



96-Oh Supremo Senhor! A mente-elefante, enorme e sensual, anda por toda parte com uma atitude arrogante. Domine-a, discreta e habilmente, com a corda da devoção, e amarre-a firmemente ao pilar do Seu estado imutável.

SHIVANANDALAHARI 33





97- Oh Senhor! Amado de Gauri! Por favor, aceite a donzela da minha poesia, adornada com os ornamentos das várias figuras de linguagem e com os graciosos movimentos da bela dicção, dotada da conduta virtuosa das excelentes métricas, possuidora da luminosa cútis dos harmoniosos sons, que é elogiada pelos sábios, da qual transparecem o amoroso sentimento da devoção e de outras virtudes, que foi preparada visando a união com Brahma, que apresenta os mais auspiciosos padrões de qualidade da literatura, que expressa o decoro da humildade poética e faz bem àqueles que a lêem.




98- Oh Supremo Senhor! Oh Oceano de compaixão! Vishnu e Brahmá, perfurando a terra e voando em direção ao céu como um javali e um cisne a fim de encontrar os Seus pés e a Sua cabeça, respectivamente, somente se cansaram(1). Oh Concessor do bem! O Senhor de todos! Como foi então que Você se revelou diretamente a mim? Diga-me, tal conduta é digna de Você?


(1) Mas não descobriram as extremidades da Sua forma.



99- Esse hino de louvor termina agora. Eu não digo inverdades. Oh Concessor do supremo bem! Devotos como Brahmá e outras deidades, quando elaboram a lista dos que merecem ser adorados, põem Você em primeiro lugar. Ao se compararem com Você, eles se vêem como a palha, que cobre o grão de arroz. Eles sabem que Você outorga a mais elevada recompensa (1).


(1) A Liberação.


Aqui termina o poema, proclamando Shiva como a Deidade suprema. Na assembléia dos deuses, Ele é facilmente reconhecido como o principal dentre eles ( Mahadeva ). Nenhum elogio é adequado para expressar a Sua grandeza.



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